A
lua ainda despontava no céu de São Luis do Maranhão, e a tripulação inteira do
Rainbow Warrior já estava de pé, todo mundo pra lá e pra cá. Os farelos na mesa
do refeitório denunciavam o café da manhã apressado: às 5h15 da manhã, os botes
foram para a água. Os ativistas esperaram a senha: quando o sol apareceu no
horizonte, grande e laranja, os três botes partiram rumo ao Porto de Itaqui.
O Rainbow Warrior foi atrás. No porto, 31 mil
toneladas de ferro gusa esperavam para ser carregadas pelo navio Clipper Hope,
que depois de ser bloqueado por dez dias em
alto-mar, acabara de atracar no local. A carga, mostra investigação do Greenpeace, tinha mancha
de desmatamento, trabalho escravo e invasão de terras indígenas na Amazônia.
Em questão de minutos, o primeiro grupo de
ativistas já estava no porto, em cima da imensa pilha de gusa, com a mensagem:
“Amazônia vira carvão”. Tempo suficiente para o Rainbow Warrior chegar e, com
seus modestos 57 metros de comprimento, encurralar contra a parede o Clipper
Hope, quase três vezes seu tamanho. Sob os gritos do capitão – “Vou cortar a
corda de vocês!” – outro time de ativistas tomou o navio cargueiro,
acorrentando os imensos guindastes que fariam o carregamento.
No porto, a coisa esquentou. Enquanto
os ativistas assavam sob um sol inclemente, alguns trabalhadores se negavam a
dar água para eles beberem: “Só se vocês saírem!”, chantageavam. Outros eram
mais solidários: “Eu comprei a água com meu dinheiro e vou dar pra eles, sim!”.
A polícia, que chegava com viaturas, ônibus e helicóptero, teve que apartar a
briga entre eles.
As operações do porto foram paradas.
No céu, acima do helicóptero da polícia, o avião usado pelo Greenpeace fazia
imagens aéreas: foram sete horas seguidas sobrevoando em círculos. Por rádio, o
Rainbow Warrior recomendou a Fernando, piloto que há dez anos sobrevoa a
Amazônia conosco, que pousasse, para evitar problemas. Ele retrucou: “Estou
dentro da lei. Não vou sair daqui”.
Ninguém se mexeu, aliás, até que o
telefone tocasse no Rainbow Warrior. Era o vice-governador do Maranhão,
Washington de Oliveira. Avisamos que só sairíamos dali com duas condições: que
houvesse uma reunião com a indústria de ferro gusa e que nenhum ativista fosse
detido. No fim das contas, a tripulação do Clipper Hope ainda propôs uma troca:
dois blocos de ferro gusa por camisas do Greenpeace. Tratos feitos.
A reunião aconteceu dois dias depois
na sede do governo, com a presença do Ministério Público, da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), da indústria e de movimentos sociais do Maranhão.
Num exemplo do que é democracia, nossa ação forçou governo e indústria a sentarem
à mesa para tratar com seriedade um assunto que se acostumaram a ignorar
diariamente.
No dia 15 de junho, a indústria promete assinar um pacto proposto pelo
Greenpeace, contra desmatamento, trabalho escravo e invasão de terras indígenas
em sua cadeia de produção. Vai ser apenas o início de um longo processo. Vamos
continuar de olho.
Davi contra Golias: o momento em que o Rainbow Warrior
encosta o Clipper Hope na parede. (©Greenpeace/Rodrigo Paiva)
|
Autor: Bernardo Camara
Nenhum comentário:
Postar um comentário