sexta-feira, 1 de junho de 2012

Os bastidores de uma epopeia


 A lua ainda despontava no céu de São Luis do Maranhão, e a tripulação inteira do Rainbow Warrior já estava de pé, todo mundo pra lá e pra cá. Os farelos na mesa do refeitório denunciavam o café da manhã apressado: às 5h15 da manhã, os botes foram para a água. Os ativistas esperaram a senha: quando o sol apareceu no horizonte, grande e laranja, os três botes partiram rumo ao Porto de Itaqui.

O Rainbow Warrior foi atrás. No porto, 31 mil toneladas de ferro gusa esperavam para ser carregadas pelo navio Clipper Hope, que depois de ser bloqueado por dez dias em alto-mar, acabara de atracar no local. A carga, mostra investigação do Greenpeace, tinha mancha de desmatamento, trabalho escravo e invasão de terras indígenas na Amazônia.

Em questão de minutos, o primeiro grupo de ativistas já estava no porto, em cima da imensa pilha de gusa, com a mensagem: “Amazônia vira carvão”. Tempo suficiente para o Rainbow Warrior chegar e, com seus modestos 57 metros de comprimento, encurralar contra a parede o Clipper Hope, quase três vezes seu tamanho. Sob os gritos do capitão – “Vou cortar a corda de vocês!” – outro time de ativistas tomou o navio cargueiro, acorrentando os imensos guindastes que fariam o carregamento.



No porto, a coisa esquentou. Enquanto os ativistas assavam sob um sol inclemente, alguns trabalhadores se negavam a dar água para eles beberem: “Só se vocês saírem!”, chantageavam. Outros eram mais solidários: “Eu comprei a água com meu dinheiro e vou dar pra eles, sim!”. A polícia, que chegava com viaturas, ônibus e helicóptero, teve que apartar a briga entre eles.

As operações do porto foram paradas. No céu, acima do helicóptero da polícia, o avião usado pelo Greenpeace fazia imagens aéreas: foram sete horas seguidas sobrevoando em círculos. Por rádio, o Rainbow Warrior recomendou a Fernando, piloto que há dez anos sobrevoa a Amazônia conosco, que pousasse, para evitar problemas. Ele retrucou: “Estou dentro da lei. Não vou sair daqui”.

Ninguém se mexeu, aliás, até que o telefone tocasse no Rainbow Warrior. Era o vice-governador do Maranhão, Washington de Oliveira. Avisamos que só sairíamos dali com duas condições: que houvesse uma reunião com a indústria de ferro gusa e que nenhum ativista fosse detido. No fim das contas, a tripulação do Clipper Hope ainda propôs uma troca: dois blocos de ferro gusa por camisas do Greenpeace. Tratos feitos.

A reunião aconteceu dois dias depois na sede do governo, com a presença do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da indústria e de movimentos sociais do Maranhão. Num exemplo do que é democracia, nossa ação forçou governo e indústria a sentarem à mesa para tratar com seriedade um assunto que se acostumaram a ignorar diariamente. 
No dia 15 de junho, a indústria promete assinar um pacto proposto pelo Greenpeace, contra desmatamento, trabalho escravo e invasão de terras indígenas em sua cadeia de produção. Vai ser apenas o início de um longo processo. Vamos continuar de olho.

Davi contra Golias: o momento em que o Rainbow Warrior encosta o Clipper Hope na parede. (©Greenpeace/Rodrigo Paiva)
Autor: Bernardo Camara

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